Nas últimas semanas, foram veiculadas inúmeras notícias a respeito do domínio público do personagem MICKEY MOUSE, criado por Walter Elias Disney em 1928, que deverá ocorrer em 2024. Entretanto, é importante chamar a atenção para as condições em que esse domínio público se dará.
1. A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS NOS ESTADOS UNIDOS
Por ocasião de sua criação, os direitos autorais nos Estados Unidos eram disciplinados pelo chamado Copyright Act, de 1909, assinado pelo então presidente Theodore Roosevelt, e que já havia passado por outras três revisões desde 1790. Uma das mudanças trazidas em 1909 foi a ampliação da proteção dos direitos autorais, que passou a ser de cinquenta e seis anos. Isso significaria que o famoso rato cairia em domínio público em 1984.
Quando esse momento se aproximava, a Disney, preocupada com o fato de perder os direitos sobre sua criação mais amada (pelo carisma e retorno financeiro que trazia), passou a pressionar o governo americano para que a lei de direitos autorais do país fosse alterada, o que ocorreu com o Copyright Act de 1976, assinado pelo presidente Gerald Ford, cuja vigência se deu a partir de 1978.
Com a revisão de 1976, as publicações ocorridas até 1922 caíram em domínio público, enquanto as publicações posteriores passaram a usufruir de setenta e cinco anos de proteção. Diante disso, a Disney se safou de ver seu personagem mais célebre entrar em domínio público em 1984, fato que, a partir de então, deveria ocorrer somente em 2003.
Em 1997, entretanto, uma nova alteração legislativa, denominada Sonny Bono Copyright Term Extension Act, foi proposta pelo senador Orrin G. Hatch, a qual entrou em vigor somente em 27 de outubro de 1998. Através dela, os direitos autorais passaram para noventa e cinco anos, assim, a exclusividade sobre o rato mais famoso do mundo foi aumentada em 20 anos, devendo cair em domínio público ao término de 2023.
Neste momento, portanto, o domínio público de Mickey nunca esteve tão perto de efetivamente acontecer, embora ainda exista tempo suficiente para que uma nova mudança legislativa ocorra e, mais uma vez, a Disney consiga resguardar seus direitos sobre tal personagem.
2. O MICKEY ENTRARÁ EM DOMÍNIO PÚBLICO. MAS QUAL?
Partindo da hipótese de que nada seja alterado na legislação atinente à proteção dos direitos autorais nos Estados Unidos, pode-se admitir que o Mickey cairá em domínio público a partir de 2024. Mas é importante chamar a atenção para o fato de que isso se trata apenas da primeira versão do personagem e não a que conhecemos hoje.
A primeira vez que o personagem surgiu foi em 15 de maio de 1928, de maneira silenciosa, em um curta-metragem chamado “Plane Crazy” – “Avião Maluco” em tradução livre. Nesta versão, o famoso rato sequer contava com seu traje vermelho, sapatos amarelos e luvas brancas. Entretanto, este curta não chegou a ser distribuído na época, exatamente pela inexistência de som, o que ocorreu somente em 1929.
Dessa forma, em 18 de novembro de 1928, Walt Disney apresentou ao público a primeira versão oficial de Mickey, através do curta-metragem “Steamboat Willie”. Desde então, Mickey recebeu a missão de ser o mascote oficial da Disney.
E são essas versões do Mickey que supostamente cairão em domínio público a partir de 2024. Por outro lado, o famoso rato passou por diversas transformações ao longo dos anos:
Ao analisar as versões do personagem, é claramente possível notar, portanto, que são obras totalmente distintas, cujos direitos autorais são garantidos individualmente a cada uma delas:
Isso significa que, a partir de janeiro de 2024, todos poderão: (i) reproduzir; (ii) criar derivações; (iii) distribuir; (iv) exibir publicamente a primeira versão oficial de Mickey. Mas vale lembrar que o uso público do personagem de “Steamboat Willie” e “The Gallopin’ Gaucho”, deve respeitar outros direitos, tais como marcas registradas em favor da Disney e relacionada à figura do personagem com tais características.
Nesse sentido, tanto o nome Mickey quanto as características figurativas do personagem de 1928 também estão protegidos como marca. E essa providência dificulta ainda mais que terceiros utilizem os personagens, ainda que tenham caído em domínio público. Isso porque existirá um risco potencial de se violar outros direitos ao utilizá-lo.
Vale chamar a atenção para o fato de a Disney ter depositado, como marca, as características visuais do Mickey de “Steamboat Willie” em meados de 2004, ocasião em que os direitos autorais sobre os personagens estavam prestes a caírem em domínio público. Seu registro foi concedido em 2009, com vigência até 2019, momento em que sua proteção deveria ter sido prorrogada, o que curiosamente não aconteceu:
Como dito, ao se tornar o mascote oficial da Disney, Mickey passou a ser a representação da própria empresa. Nessa medida, qualquer alusão ao personagem por quaisquer terceiros implicará em associação imediata com a Disney, o que pode representar violação aos direitos marcários, bem como prática de atos desleais (concorrência ou aproveitamento).
Quando se fala em Mickey, inevitavelmente somos remetidos à Disney, e o contrário também é verdade. E essa relação entre criador e personagem faz com que um se torne verdadeiro símbolo da criação e reputação do outro, de forma que se atribui ao símbolo um significado muito maior do que a de proteção pelos direitos autorais. O “secondary meaning” adquirido pelo personagem extrapola esse limite e permite que a Disney consiga, de certa maneira, manter sob seu domínio seu rato e seu sonho.
Fontes de pesquisa:
Mickey’s Headed to the Public Domain! But Will He Go Quietly? - Office of Copyright (nova.edu)
Copyright Act of 1909 - LAWS.com - https://government-programs.laws.com/.
Como Mickey Mouse foge do domínio público - Jus.com.br | Jus Navigandi
Mickey Through the years - YouTube
PLAW-105publ298.pdf (congress.gov)
In 2024, Mickey Mouse Will Finally Enter the Public Domain — Sort of (nyu.edu)